A PLC 141/2023 e o esvaziamento da Lei da Ficha Limpa?

Por Sérgio Melo – Advogado Eleitoral
A Constituição Federal disciplina, no artigo 61, § 2º, a chamada iniciativa popular e estabelece os requisitos necessários para a apresentação de um projeto de lei. Veja o que diz o texto constitucional:
“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação
à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no
mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído
pelo menos por cinco Estados, com não menos de três
décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”
Dentre as poucas leis de iniciativa popular aprovadas, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) representou um marco na moralização da política eleitoral. Com mais de 1,6 milhão de assinaturas de eleitores e o apoio de entidades como a CNBB, OAB e outras organizações da sociedade civil, a proposta avançou no Congresso Nacional.
Até as eleições municipais de 2010, um candidato condenado por alguma das hipóteses de inelegibilidade ficava impedido de disputar eleições por apenas 3 anos. Com a aprovação da Lei Complementar 135/2010, sancionada ainda naquele ano, esse prazo foi ampliado para 8 anos, passando a valer a partir das eleições municipais de 2012, conforme decisão do STF no RE 633703. Essa mudança endureceu as regras e impôs uma punição mais severa a políticos que violassem as normas eleitorais.
A ampliação do prazo de inelegibilidade de 3 para 8 anos transmitiu um recado claro ao eleitorado: “A política deve ser exercida com responsabilidade, sob pena de afastamento por longo período”. Essa alteração reforçou princípios fundamentais da Justiça Eleitoral, como a lisura das eleições, a paridade de armas e a moralidade administrativa.
Risco à Ficha Limpa: o que propõe a PLC 141/2023?
A conquista da sociedade civil, no entanto, pode estar ameaçada. Tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLC) 141/2023, que busca reduzir o período de inelegibilidade de 8 para 2 anos. A proposta altera o artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades).
Caso seja aprovada, essa mudança esvaziaria completamente os efeitos da Lei da Ficha Limpa, permitindo que políticos condenados por irregularidades voltem a concorrer rapidamente.
Um levantamento da CNN Brasil, baseado em dados do TSE, aponta que, entre 2014 e 2024, a Lei da Ficha Limpa impediu quase 5.000 candidaturas. Segundo a reportagem:
“O número corresponde a cerca de 8% de um total
de aproximadamente 60 mil políticos que tentaram
concorrer a cargos públicos e foram barrados pela Justiça Eleitoral.
O pico de cassações ocorreu em 2020, quando mais de
2.300 candidatos foram impedidos pela norma.”
A mudança faz sentido?
É inegável que o legislador tem o poder de criar e modificar leis. No entanto, alterar a Ficha Limpa — uma lei de iniciativa popular — para reduzir de 8 para apenas 2 anos o período de inelegibilidade, em um momento de forte polarização política, é, no mínimo, questionável.
Caso essa alteração se concretize, a lisura das eleições será colocada em xeque, enfraquecendo a moralidade administrativa e comprometendo a essência da Lei da Ficha Limpa.
Por Sérgio Melo – Advogado Eleitoral
Fontes de pesquisa:
- Tramitação do PLC 141/2023 – Câmara dos Deputados
- Constituição Federal – Planalto
- CNN Brasil: Ficha Limpa barrou quase 5.000 políticos
- STF: Julgamentos da Lei da Ficha Limpa
- OAB e a defesa da Lei da Ficha Limpa
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