Análise: Brasil ficou ingovernável com a anomalia chamada governo congressual

O deslocamento do poder de mando sobre a agenda de políticas públicas e a gestão orçamentária virou o presidencialismo de coalizão de ponta-cabeça
O Brasil está ingovernável, o presidencialismo de coalizão disfuncional e inoperante. O arranjo de poder a que chamam de governo congressual é uma anomalia que leva o país a uma crise permanente. Parte relevante da gestão de políticas públicas ficou imune ao sistema de freios e contrapesos.
Os pesos e contrapesos, no presidencialismo existem para contrabalançar o poder do Executivo, não do Legislativo. É uma anomalia que leva à ingovernabilidade e não a uma nova forma de governo.
O processo começa em 2020, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) transferiu para o Legislativo o poder de mando sobre a agenda de políticas. Foi o acordo que elegeu Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara. No ano seguinte, o orçamento secreto, controlado por Lira, consolidou o poder parlamentar. A ingovernabilidade criava o ecossistema para a conspiração golpista nos corredores do Planalto.
No primeiro ano de mandato Bolsonaro, 2019, o valor das emendas foi de R$ 13,5 bilhões. Saltou para R$ 35,9 bilhões, em 2020. Um crescimento de 165% inaugurando novo piso. No biênio, 2024-2025, mudou de patamar, crescendo, 29% entre 2023 e 2024. Este ano cresceu mais 13%. O novo piso agora é de R$ 50,4 bilhões.
O deslocamento do poder de mando sobre a agenda de políticas públicas e a gestão orçamentária virou o presidencialismo de coalizão de ponta-cabeça. Governo fraco, Legislativo forte. Qualquer reversão dessa situação ficou impossível.
Parlamentar não abre mão do que já controla. Só uma ruptura eleitoral que gere maioria disposta a aprovar uma redistribuição do poder compatível com o presidencialismo de coalizão eliminaria a deformação desse quadro. Uma hipótese utópica. Como as regras de distribuição de emendas, dos fundos partidário e eleitoral são proporcionais, quem tem mais voto e elege as maiores bancadas tem o maior naco dos recursos. Portanto, quem sai maior da eleição anterior tem mais recursos para disputar a eleição seguinte e maior probabilidade de manter a correlação de forças vigente.
Toda concessão do Executivo ao Congresso, nesse contexto, passa a ser o piso. Não há convergência ideológica entre o “partido presidencial” e os demais, na coligação eleitoral. A adesão dos partidos se dá por dois fatores. Primeiro, maximizar a votação dos que entram na coligação. Segundo, uma aposta desses partidos na vitória da candidatura presidencial.
Na política brasileira, coligação e coalizão, não são sinônimos. A coligação é uma aposta em um cálculo eleitoral. A coalizão depende do resultado final da eleição. Se a coligação for vitoriosa na disputa presidencial, mas os partidos coligados não alcançarem a maioria parlamentar, o eleito terá que renegociar além da coligação eleitoral para formar uma coalizão de governo. Se a candidatura presidencial for derrotada, a maioria dos parlamentares adere ao lado vitorioso. É a lógica dos “pragmáticos” e do Centrão.
No nosso presidencialismo de coalizão, a mesma eleição geral tem lógicas diferentes. No eixo presidencial, é majoritária e bipartidária, pela regra dos dois turnos. O primeiro turno é uma disputa pluripartidária visando à maioria dos votos ou a passagem ao segundo turno se nenhuma candidatura obtiver 50% mais um dos votos. O segundo turno é necessariamente bipartidário, porque a regra determina que só disputam os dois mais votados. O eixo parlamentar é multipartidário e proporcional, para a Câmara, e multipartidário e majoritário para o Senado. Para a Câmara, o número de cadeiras é definido pelo tamanho da população e sua distribuição é proporcional à votação dos partidos. São dois colégios eleitorais diferentes. Para a Presidência, o colégio é o país. Para o Legislativo, é o estado. Para o Senado todos têm direito a três senadores.
Os deputados obtêm a votação necessária para ganhar em poucos municípios. Daí a importância das emendas parlamentares para os partidos. No presidencialismo de coalizão, eles precisavam negociar com o governo os recursos necessários para manter sua “base”. Essa dependência os incentivava a barganhar o apoio à pauta do Executivo por esses recursos. Na negociação, o governo buscava garantir a governabilidade, e os partidos, satisfazer seus interesses político-eleitorais. Agora, controlam os recursos.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: Pedro França
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